Afonso Taira faz parte daqueles que atingiram o sonho de ser jogador profissional. Consegui-o não só pelo seu talento, mas também pela sua resiliência e orientação dos pais no seu processo de formação.
Atualmente jogador do Al Batin, grande parte do seu processo de formação foi no Sporting CP, onde fez também a transição para o profissional. Também representou Portugal nas seleções jovens. E isto tudo enquanto conciliava com os estudos.
Qualquer um destes pontos já dá para excelentes temas. Mas, melhor do que ninguém, o Afonso Taira sabe o que foi importante no seu caminho e partilhou connosco uma carta aberta.
Carta Aberta de Afonso Taira ao Desporto de Formação
Afonso, joga à bola!
Eu sei que ainda não tens a certeza se gostas de jogar futebol. Mas eu também sei que não consegues ficar longe de uma bola. É uma confusão.
Quando leres esta carta, vais ter 9 anos. Vais estar mais dividido que nunca. Quando tens a bola nos pés, qualquer um nota que és BOM. Quando vais jogar futebol, rapidamente esmorece o gosto e pensas noutras coisas.
Eu sei. Já vivi isso.
É bom ser bom, mas é mau ser bom e não ganhar sempre. É mau sentir que és bom, mas que isso nem sempre significa que és o melhor, e tu queres sempre ser o melhor.
Começa no recreio da escola. Lembras-te? Provavelmente, ainda ontem sentiste isso. São 40 ou 50 miúdos a correr atrás de três ou quatro bolas, no mesmo campo pelado, com as mesmas balizas. É um caos, e eu sei o que sentes nesses recreios. És levado para o campo, parece um íman. Entusiasmas-te, começas a correr, dás os primeiros toques na bola, mas de repente percebes que o caos não deixa que se note o quão bom tu és. Já sei. Já perdeste o entusiasmo. Quem é que te disse que tinhas de ser bom, no recreio, no meio de uma multidão a correr desenfreadamente atrás de uma bola?
Isso de ser o melhor não é para todos. É só para um, na verdade.
A confusão é que no futebol, e na vida, ser o melhor não significa ganhar sempre. Nem sequer significa ganhar. Então, quando és bom, existem duas formas de entrar em campo: com receio – de ser bom, mas não ganhar; com fé – de arriscar ganhar porque sou bom.
Como eu já aí estive, tenho a certeza que se continuares a jogar à bola vais ter sucesso. Mas isto é cheating.
Prefiro contar-te que o futebol é um jogo muito interno. De ti para ti, tens de decidir correr atrás daquele adversário que vai em direção à tua baliza. Tens de decidir fazer o movimento sem saber se a bola te vai chegar. O futebol profissional, visto ao longe, engana. Acreditamos, todos, que o futebol é golos e fintas. Então, tenho um segredo para te contar: somando todos os momentos de cada jogo, o jogador profissional de futebol tem a bola nos pés aproximadamente 90 segundos. 1 minuto e meio! A cada 90! O futebol dos grandes, aquele que muitas crianças querem e ainda mais Pais querem para nós, é quase todo sem bola.
É uma seca? Não! É incrível.
Mas é suado, é lutado, é sofrido também. O que fazes com a bola é uma pequena parte de um jogo onde o compromisso, a vontade, o esforço e a dedicação são o mais importante. Quando a bola te chega, vai com fé. Não queiras ser o melhor – acredita que vais fazer a escolha certa, porque és bom. Os teus pés sabem o que querem fazer, o teu corpo sabe como se mexer. Confia neles. Só tens de ter fé que os teus olhos vão ver, a tua cabeça vai pensar, o teu corpo reagir e os teus pés vão expressar todo o futebol que tens dentro de ti.
Vou voltar ao inicio: joga à bola!
Corre, luta, salta, sprinta, trava! Faz tudo o que é o futebol. Quando for o teu momento com a bola, expressa-te! Tens 9 anos, e ninguém é o melhor com 9 anos.
Tenho mais um segredo para te contar.
Daqui a uns anos, se continuares a jogar à bola, vais ser chamado para representar a Seleção. Vais ao primeiro treino, e vais desfrutar muito. É ali que começas a sentir realmente que todos vêm que és o melhor. Na semana seguinte, e na seguinte, e na seguinte, não vais ser chamado. Esta confusão que estás a sentir agora vai voltar, durante 3 semanas. Vais te questionar, vais duvidar. Finalmente, vais ser chamado, vais jogar o torneio. Nesse torneio, vais jogar o mais livre que alguma vez jogaste, e vais te sentir o mais feliz que alguma vez te sentiste – e vai ser impossível não encheres o campo de brilho.
Foste com fé, arriscaste tudo porque sabias que eras bom. No fim, esforça-te para emoldurares tudo o que sentiste nesse torneio. Expressar tudo o que tens dentro de ti é o maior motivo para jogares futebol.